Nesse texto relato um trabalho realizado durante minha graduação em História na disciplina de Estágio em História III, a qual tem como tema o estudo e o ensino de Patrimônio e Memória. A atividade simulava um "micro museu" no qual cada aluno apresentou um objeto (s) significativo (s) para sua História ou de sua família. Assim, apresentei para os colegas um relógio de parede que pertenceu originalmente ao meu bisavô, após a minha avó e por último, a proprietária atual, minha mãe.
O objeto entrou na família em torno do ano de 1930 e possui representações ligadas à memória familiar e de celebração do primeiro dono já falecido, meu bisavô. Conforme Possamai (2001), enquadrar-se-ia a um “Museu Memória”, uma vez que, as representações em torno do objeto suscitam lembranças individuais e coletivas de época e relações com outras pessoas - principalmente – ao dono já falecido do objeto.
Ressalta-se que ambas as entrevistadas, minha mãe e avó, ao falarem sobre o objeto demonstram nostalgia e o personificam ligando ao meu bisavô ou a momentos vividos com ele e a família. Refletido em frases como “ele (o objeto) acompanhou toda uma vida”, “tem história”, “os filhos e netos se criaram juntos” e o “vô pedia para dar corda nele”. O que a autora destaca muito bem em seu texto:
“Dessa forma, o objeto adquire um significado simbólico para esses atores, porque ele possibilita lembrar uma época ou alguém, evocar o nome de uma pessoa pública, evocar valores e virtudes, comemorar acontecimentos, tornar presente um grupo ou instituição, imortalizar uma pessoa, venerar alguma coisa alguém.” (p. 98)
Também destaco o quanto é interessante e complexa a influência das memórias nesse processo de buscar as histórias a partir dos objetos, nele as lembranças individuais se contrapõem podendo divergir ou complementar-se. Neste contexto, além das complementações percebidas a partir de lembranças familiares, de “memórias comuns”, nas entrevistas percebi que as histórias da origem do objeto ou mesmo sua significação para as entrevistadas divergiam em alguns aspectos. Por exemplo, para minha mãe, segundo seu avô, o relógio havia sido um pagamento de um trabalho realizado por ele, ou seja, a entrevistada destaca em seu simbolismo do objeto a valorização do trabalho de meu avô “como um ótimo carpinteiro”, já em minha avó, as representações estão mais ligadas as suas vivências na juventude, pois, segundo ela, o seu pai ganhou o relógio de presente de casamento de um tio em uma “festa de casamento na qual estava toda a família”.
As divergências continuam, nota-se que para a minha avó o relógio ao parar de funcionar e “perder sua utilidade” no dia a dia tornou-se objeto de museu e desta maneira estava sendo guardado por respeito as suas lembranças em cima de um armário. Porém, para a minha mãe, como o relógio voltou a tocar no nascimento de meu irmão esse ainda possui um caráter de ligação com sagrado, tomando o mesmo como um altar, ou um santinho, e, portanto, possui uma utilidade, motivo que a fez pegar o relógio guardado na casa da minha avó e colocá-lo em sua parede.
Enfim, após essas breves reflexões, ressalto o quanto foi interessante esse trabalho para percebemos que os estudos sobre Patrimônio e Memória ao relacionar-se com a abordagem da história oral tornam-se um campo árduo de investigações cuidadosas do historiador, mas são possibilidades únicas de reconstituição do simbólico, do subjetivo, do mito e do sagrado, ou seja, de elementos importantíssimos e constituintes do cotidiano e, logo, das histórias da humanidade.
Referencia bibliográfica:
POSSAMAI, Zita Rosane. Nos bastidores do museu: patrimônio e passado da cidade de Porto Alegre. Porto Alegre: EST Edições, 2001.
Belo texto, Leonardo!
ResponderExcluirÉ muito interessante perceber como objetos, imagens, coisas que são aparentemente materiais, podem nos levar a lembranças, memórias, sentimentos, crenças, que são de ordens bem mais profundas.
A questão da memória, cada um guarda alguma coisa do que passou, que nem sempre é verdadeira, pois é apenas uma lembrança, uma interpretação, e como toda interpretação, está repleta de ruídos, interferências de momentos vividos individualmente.
Um grande abraço e continue colaborando para o Campani Cultual.
Parabéns Leonardo! O texto expressa bem o nosso cotidiano, temos objetos que perpetuam na família, pelas lembranças dos antigos proprietários.
ResponderExcluirRealmente a memória oral é muito falha pois as pessoas gravam de formas diversas sempre ligando aos seus interesses pessoais. Por isso temos os historiadores como tu para deixar registrado os acontecimentos e assim não se perderão nem serão alterados com o tempo.
Continue sempre se interessando pelo passado temos um campo muito vasto ao nosso lado. Um abração! Sua Tia Denise.
Muito interessante seu trabalho Leonardo!!! A história é mesmo fascinante, os museus e as memórias nos trazem grande resgaste dos fatos e também da evolução humana. Que bom ler mais sobre arte, cultura e história aqui!!!
ResponderExcluirAbraço :)