Guevara, Vivo ou Morto * |
Na velha FAU, fermentavam os sonhos de liberdade e de profundas transformações culturais.
A produção artística desse período foi profundamente marcada pelas propostas dos CPC - Centros Populares de Cultura, criados em 1961. O manifesto do CPC, inserido em "A Questão da Cultura Popular" escrito por Carlos Estevão Martins em 1963, quando era presidente do CPC e o livro "Cultura Posta em Questão" de Ferreira Gullar, publicado em 1964, exerceram enorme influência na criação artística, nos ambientes intelectuais e no pensamento da década de sessenta no Brasil.
A arte naqueles anos parecia não poder sobreviver fora da preocupação com a transformação política e social. Ferreira Gullar chamava atenção, no seu livro, para a necessidade de a cultura ser colocada a serviço do povo.
Claudio Tozzi, integrado com a vanguarda do seu tempo compartilha dessa preocupação. O engajamento em relação às massas está presente desde os seus primeiros trabalhos. Mais tarde Tozzi, em um depoimento realizado em 1977, afirma: "Uma das características da arte brasileira de vanguarda dos anos sessenta é a preocupação com o coletivo. Na pintura refletia-se, principalmente a temática social. Os fatos políticos eram narrados pela figura; a obra exigia do espectador não apenas uma atitude de contemplação, mas tinha o intuito de incitar seu pensamento, levá-lo à reflexão e ao debate (...) Importante também é o seu conteúdo-signifícado e a linguagem utilizada: a apropriação da linguagem usada nos meios de comunicação de massa, desde sinais de trânsito, letreiros, "outdoors", histórias em quadrinhos, até os processos fotomecânicos de reprodução (...)"
Nesses anos ocorria uma enorme transformação na pintura em todo mundo. Emergia nos EUA a Pop Art e uma nova figuração ocupava o lugar de vanguarda. No Brasil essas idéias tiveram imediatamente, enorme repercussão. Mário Schemberg, um dos críticos de arte mais atuantes nesse período, caracteriza e momento como um novo realismo.
Dizia Pierre Restany, em seu livro "Os Novos Realistas": "Desdenhando a sátira estéril e a pintura dos bons sentimentos, os artistas pop nova-iorquinos voltaram às fontes do seu folclore urbano. Desse modo compreenderam exatamente o problema, tocaram no verdadeiro objetivo, assimilam o sentido da natureza moderna, encaminharam-se para a maioria. Sua perfeita integração do real constitui o primeiro passo para a estética coletiva e a socialização da arte, preâmbulo necessário a um humanismo novo."
Levar sua produção artística para fora dos espaços convencionais das artes plásticas, como galerias e museus, foi outra preocupação presente desde o início da carreira de Cláudio Tozzi. Ele procurava comunicar-se com um público mais abrangente. Chega em determinados momentos a ganhar o carácter panfletário de forte conteúdo social, e até mesmo revolucionário, como Tozzi foi vender nas praças de São Paulo e nos estádios de futebol a serigrafia "Guevara Vivo ou Morto", a preços populares, na época dos trágicos acontecimentos que culminaram com a morte do líder revolucionário na Bolívia.
A morte de Che Guevara, foi um evento que marcou profundamente os jovens e os espíritos inquietos da época. Os acontecimentos sangrentos da Bolívia motivariam, mais que qualquer outra coisa, o surgimento de um latino-americanismo que se fortalecia aos poucos (...) Em verdade, o sentido de sua atuação, "a lição (mesmo se romântica, de sua trajetória) de sua vida, residiu no fato de que ele não tinha um país mas um continente” (...) "nascido e formado na Argentina tendo morado no México, lutado e vivido em Cuba, e tendo sido morto na Bolívia em outubro de 1967, demonstrou que estava a serviço, não de um regime, porém de uma idéia”.
Em 1968, a obra "Guevara Vivo ou Morto” sofre um atentado e é praticamente destruída, por um grupo de extrema direita, num processo de radicalização ideológica e de agressividade crescentes, sobretudo naquele ano, marcado pelas lutas estudantis contra a ditadura. Pelos movimentos de massa que procuravam restaurar a democracia e por outro lado, com a promulgação do AI 5.
Sua obra incomodava porque não estava restrita ao circuito artístico, porque não se restringia nos problemas estéticos, mas voltava-se, sobretudo, e de forma engajada à realidade, para as contradições políticas e sociais daqueles anos.
Tornava-se necessário encontrar uma linguagem acessível às massas. O artista chegou a utilizar textos em suas obras para reforçar o conteúdo semântico da imagem. Seus temas são multidões e heróis de multidões, realçadas num período de comícios agitados de greves de passeatas, de protestos e de sonhos revolucionários.
Dessa forma, a leitura de suas obras produzidas nesse período não pode ser feita isolada ou desvinculada da análise daquele momento histórico.
Tozzi não é intuitivo, ao contrário é reflexivo e metódico. As imagens são construídas com forte influência gráfica.
A partir de 1969, os trabalhos de Cláudio Tozzi deixam de expressar impactos políticos e perdem o carácter panfletário. Os tempos não permitiam. A luta armada leva a ação política para a clandestinidade e a violência da repressão alija e impede as massas de se manifestarem.
* Tinta em massa e acrílica sobre aglomerado 10/1967, 175 x 300 cm
REFERÊNCIAS:
MAGALHÃES, Fábio. Obra em Construção: 25 Anos de Trabalho de Claudio Tozzí. Rio de Janeiro:
Revan, 1989
AMARAL, Aracy. Arte Para Que? A Preocupação Social na Arte Brasileira 1930-1970. São Paulo: Nobel, 1987
RESTANY, Pierre. Os Novo Realistas: SP: Perspectivas, 1979
Olá Raul!!!
ResponderExcluirSalve, salve os blogs que nos permitem ler essas informações tão importantes sobre nossa cultura. Excelente post!!!
Abraços
Bia :)
muito bom! é importante a existência de plataformas digitais que nos oferecem conteúdos como esse!
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